Apresentada em 2008, esta reportagem foi elaborada com o intuito de conhecer a figura de Seu Mané, falecido no dia 8 deste mês
Seu Mané foi um ícone da comunicação |
Raimundo Antonio
Professor
Especial para o Expressão
O nome dele é Manoel Alves de Oliveira, popularmente conhecido como "Seu Mané da Rural". Figura lendária do rádio mossoroense, "Seu Mané" é um dos expoentes da microfonia local. Nós o entrevistamos, em 2008, enquanto ele conversava rodeado de amigos, na calçada de uma mercearia de um bairro periférico, entre jovens curiosos e meninos atrás de uma guloseima que, aliás, nunca deixa de fazer parte da prática de "Seu Mané" - essa distribuição de balas e confeitos para a meninada. Sujeito simples, autodidata, figura folclórica, já foi tema até de estudos, além das inúmeras entrevistas que concedeu, tanto para o rádio, quanto para a televisão.
Como o local era bastante descontraído, pedimos para que ele fizesse um relato de sua experiência no rádio local e contasse da sua maneira essa trajetória até os dias de hoje. Ele respondeu: "Quero iniciar meu relato pelas palavras memorizadas, em mim, do excelentíssimo senhor presidente da República, João Belchior Marques Goulart, quando de sua visita a Mossoró. Ele disse: 'A partir deste instante essa emissora está autorizada a funcionar para a prestação de serviços, especialmente, como emissora de educação rural'. Nunca vou esquecer-me desse dia. Era o dia 2 de abril de 1963, às 16h30 da tarde. Foi no governo de Dix-huit Rosado Maia e Aluízio Alves e tendo como bispo de Mossoró, Dom Gentil Diniz Barreto".
Só então ele deu início, de fato, ao seu relato:
"Chamo-me Manoel Alves de Oliveira, "o Seu Mané da Rural" apelido colocado por populares e que muito me orgulha. Comecei no rádio, na Rádio Rural, desde a sua inauguração, como controlista (hoje sonoplasta). Um ano depois, eu assumi a locação de um programa, no lugar do comunicador Demilson dos Santos, que por motivos particulares faltara ao expediente e, consequentemente, de apresentar o programa. Não tive medo, nem receio de fazê-lo. Fiz. No dia seguinte, fui chamado pelo bispo Dom Gentil Diniz Barreto, que na época era o pároco da Catedral de Santa Luzia e o administrador da emissora. Lembro-me bem, como se fosse hoje, das palavras pronunciadas pelo sacerdote, me interrogando: "- Por que foi você que apresentou o programa? Você mudou de posto?". Eu respondi que tinha sido uma emergência, causado devido à falta do locutor no seu horário. O bispo me parabenizou, dizendo que tinha assistido ao programa do local onde se encontrava - isso na zona rural da cidade. Ele me disse assim: "- O senhor acaba de mudar de posto. A partir de hoje, o programa é seu. E até hoje eu continuo fazendo programas na grade da emissora".
Nesse momento, um pedestre passou e gritou o seu nome, interrompendo a nossa conversa (comum quando se trata dele, pois o mesmo é muito popular, ao ponto de nos tempos áureos do rádio mossoroense, ele quando se deslocava para a feira da Cobal, uma multidão o rodeava e, normalmente, causava um tumulto, sendo preciso a sua retirada para que a rotina voltasse ao normal.
Cumprimentou o passante e voltou para o seu relato: "Naquele tempo o rádio assumia um papel social muito forte, sendo a principal ponte que ligava os interiores que não tinham a tecnologia do telefone em suas fazendas e sítios, e levava a informação tão esperada para essas famílias. Era comum se levar o 'recado' de quem morava, por exemplo, em Baraúna, para quem morava no sítio na zona rural de Assu. As cartas chegavam trazidas pelos mistos que faziam as rotas entre as cidades do interior, e vinham, todas, escritas com letras manuscritas, muitas vezes inteligíveis, um verdadeiro jogo de paciência para poder decifrar o que vinha anotado. Era comum a gente ter que se reunir, bem antes, para poder entender o que o ouvinte queria dizer, como, por exemplo, chegava uma carta que Dona Sebastiana, do sítio Olho D'água mandava para seu Raimundo no Sítio Esperança (não tinha endereço do município de origem, muito menos o do destino final) e a ortografia era apenas um garrancho nas linhas do papel. Nós sentávamos e íamos, com criatividade, fazendo o enredo até conseguirmos alguma coisa plausível entre o que era o pensamento de quem mandava e o que mandávamos para o ar. Por isso era normal ir para o ar: 'Seu Raimundo, amarre o garoto no mourão do curral e dê de comer, que a semana que vem eu mando ir buscá-lo para cá. Na verdade, era garrote o que estava escrito".
Aproveitamos uma pausa no relato, para perguntarmos ao "Seu Mané" quais eram as principais dificuldades da época em que ele começou a labutar na radiodifusão. "Eram os patrocínios. Eles davam cobertura e propiciava a manutenção de empregados e empresa. Os tempos eram difíceis, de muita seca, por isso nós tínhamos que 'ralar' muito para poder conseguir o patrocínio necessário para por o programa no ar, porém, no final, era compensador, com o retorno em forma de audiência e as chuvas de cartas que chegavam parabenizando-nos”, disse.
0 comentários:
Postar um comentário