Os clássicos do rock caminham para a extinção



Marcelo Moreira

O garoto chega à escola de música em seu primeiro dia de aula, e já pede ao professor para tocar aquela música “fantástica'' do Guns N'Roses ou do Metallica na guitarra. Só tem 11 anos de idade, diz que até gosta de Korn ou outra banda de new metal mais atual, mas não sabe dizer o nome de nenhuma música do grupo.

No dia seguinte a cena se repete, agora com uma menina esperta de 13 anos, que já gostou de Kate Perry ou Avril Lavigne. Até sabe o nome de uma meia dúzia de músicas das duas, mas agora quer ser “rocker'' e tocar bateria.

Até conhece alguma coisa de Avenged Sevenfold, supostamente sua banda nova preferida, mas quer mesmo é aprender as viradas de Ian Paice na bateria – está apaixonada por todos os álbuns da formação clássica do Deep Purple.

As duas cenas ocorreram em uma escola paulistana de música. Muitos professores garantem que elas se repetem em todo o terrritório nacional, no quesito rock. A garotada do século XXI ama os clássicos do estilo, mas aqueles de décadas atrás. No máximo, fazem referência a hits do grunge e do britpop, ou seja, coisas de 20 anos atrás.

Onde os estão os “novos'' clássicos do rock? Ou mesmo candidatos a clássicos? Não existem mais> Sumiram com a derrocada das rádios segmentadas e da perda de valor real da música para os ouvintes do novo século.

“Quem transforma músicas em clássicos é o público. Mesmo no tempo em que as rádios tinham força, uma música só decolava se o público aprovasse. Tinha de ter qualidade, é óbvio, e tinha de ter uma resposta rápida dos fãs'', diz Nasi, vocalista do Ira! e um profundo conhecedor de música.

A realidade atual, nem tão nova assim, mostra que a queda da indústria fonográfica deixou um buraco que a pulverização das formas de divulgação e o impacto das novas tecnologias não conseguiram preencher.

Nunca foi tão fácil compor, gravar, produzir e lançar música. E nunca foi difícil atingir o público, hoje mais dispersivo, menos fiel, menos comprometido, menos focado, mais impaciente, mais apressado e menos exigente.

A música maravilhosa que acaba de surgir no YouTube ou na internet perde o interesse dez minutos depois para outra canção supostamente fantástica, mas que rapidamente perde o seu lugar diante da avalanche de informação.

Então quer dizer que gente como Mick Jagger, dos Rolling Stones, Paul Stanley, do Kiss, e Dee Snider, do Twisted Sister, têm razão quando falam que não faz mais sentido criar músicas novas se o público só quer escutar as mesmas de sempre?

Nasi (FOTO: MARCELO ROSSI/DIVULGAÇÃO)
“Um artista precisa compor para evoluir e avançar, até para quebrar paradigmas. Tocar as mesmas músicas de sempre e não produzir nada mais é um suicídio artístico. Virar cover de si mesmo? Então é melhor deitar logo no caixão'', brinca Nasi, em entrevista exclusiva ao Combate Rock.

Os irmãos Andria e Ivan Busic, do Dr. Sin, têm a mesma opinião. O trio paulistano lançou “Intactus'' no começo do ano, provavelmente o melhor trabalho da banda.

“Compor e lançar novos trabalhos é uma maneira de o artista se sentir vivo e produtivo. É um privilégio poder criar e saber que os fãs anseiam por isso'', disse Andria ao Combate Rock em janeiro passado.

Mas a pergunta ainda persiste: qual foi o último grande clássico do rock? E no rock nacional? “Anna Julia'', dos Los Hermanos, foi o último grande hit do rock nacional, em 2000. Depois disso, somente o Jota Quest andou frequentando algumas listas de sucessos, e bem lá no fim delas'', diz o jornalista, escritor e cineasta Ricardo Alexandre.

No rock internacional, talvez alguma música de Radiohead ou Coldplay, em 2004 ou 2005, que provavelmente a imensa maioria dos apreciadores de música jamais se lembrará do nome.

Dr. Sin (FOTO: DIVULGAÇÃO)
O rock deixou de produzir hits, e sem hits fica quase impossível estabelecer novos clássicos. Mesmo os fãs de bandas importantes, como Dream Theater, não fazem questão de apoiar os novos trabalhos. Parecem bastante aferrados a um preceito que estabelece as músicas dos três ou quatro primeitros álbuns como as únicas dignas de figurarem em um panteão de qualidade e veneração.

E o que dizer então dos fãs do Iron Maiden, que ficaram entusiasmados com o novo CD, “The Book of Souls''? Com ótimas críticas nas principais revistas e sites do mundo – e aqui também, neste Combate Rock -, o álbum tem grandes canções, mas certamente nenhuma terá a chance de decolar e ficar na história da banda.

“Red and the Black'', If Eterenity Should Fail'', “Man of Sorrows'', The Book of Soul'' e a épica “Empire of the Clouds'' são candidatas, mas logo mergulharão na vala comum dos álbuns bons que agradam, mas que logo deixam de interessar a um público saudosista, para quem só importam “Powerslave'', “The Number of the Beast, “Piece of Mind''…

E parece que o Metallica entendeu o espírito, pois o século XXI não deve ter trazido muita inspiração – foram apenas dois álbuns de inéditas nos últimos 15 anos. Aderiram ao lema de Dee Snider?

“Não temos motivos para compor novas músicas. Temos dez grandes hits, que sustentam muito bem o nosso show e que garantem interesse e intensidade. O Twisted Sister faz tudo o que precisa em uma hora, uma hora e 15, e todos ficam satisfeitos'', afirmou Snider quando passou por São Paulo em 2014 e tocou no festival Live'n'Louder.

Um clássico pode ser reconhecido imediatamente ou demorar um pouco, um período de maturação. No entanto, precisa de uma chance para se tornar lenda, sem necessariamente ser um hit. O problema é que já faz tempo que não há chance alguma no rock para o surgimento de novos clássicos. Parece que ninguém dá a mínima para isso.

Receitas e explicações sobre o que é um clássico do rock ou mesmo como uma música se torna um clássico existem aos montes, e ainda assim são insuficientes. Boa parte dos especialistas reluta em apontar que, ao menos parte do “problema'', está no público.

A mudança no comportamento do apreciador de música no século XXI é evidente, em uma era em que a música está cada vez mais descartável, gratuita e de baixo valor agregado.

O depoimento resignado e desiludido de um produtor musical paulistano, que pede o anonimato, explica um pouquinho a letargia que impede, em parte, o surgimento de novos clássicos:

“O público perdeu o interesse porque sua relação com a música mudou. A música perdeu valor em todos os sentidos, já que ela deixou de ser um produto. A farta opção gratuita deixou uma geração 'mal acostumada', digamos assim. A música se tornou algo corriqueiro, apenas uma trilha sonora diária para todas as tarefas do dia, que pode ser acessada sem custo e muito fácil. Ninguém mais se interessa em saber quem canta, quem escreveu os versos legais, quem tocou o quê. Existe uma urgência em mundo tecnológico e acelerado que deixa pouco espaço para atividades pessoais 'pouco produtivas'. A cultura está cada vez mais periférica e a música, ainda mais. O imediatismo prevalece no que sobrou do mercado musical. O que interessa é o hit instantâneo, de rápido consumo e acesso. Jamais uma música de Katy Perry, Miley Cyrus, Lady Gaga, Joss Stone ou mesmo Adele se tornarão clássicos como os das divas do jazz. A necessidade constante de sobreposição artística, no Brasil e no exterior, soterra as possibilidades de se trabaohar uma música boa. Portanto, contente-se em ficar escutando as mesmas músicas de sempre – é o que nos restou…''

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